23 dezembro 2006

Natal, desconfortos e expectativas

Texto de Frei Betto, publicado na Folha de S.Paulo, em 25 de dezembro de 2005.

É Natal. Tudo se mescla à nossa volta. É verão nos trópicos e, no entanto, há neves de algodão, trenós e Papais Noéis agasalhados do frio. À mesa, castanhas e nozes, alimentos adequados ao inverno. Tudo se mistura em nós, confunde sentimentos e atropela referências. Damos presentes aquém de nosso afeto e, alguns deles, além de nossas posses. O sangue que enlaça a família parece mais forte do que o amor.

Em plena festa religiosa, somos movidos por um consumismo compulsório e compulsivo. O significado cristão se esconde em acenos nostálgicos demasiadamente frágeis para que Jesus logre quebrar a hegemonia mercantil de Papai Noel.
Como pesa esta data para quem não a celebra liturgicamente!

A um canto, a árvore com seus adereços coloridos, e, à sua sombra, o presépio com o Menino na manjedoura. Mero artesanato. Ali dorme também o menino que fomos um dia, inebriado pela fé; agora, de olhos fechados, teme abraçar o apelo divino e comemorar o aniversário de Jesus.

Sim, há abraços e beijos, presentes que se trocam entre taças de vinho e copos de cerveja. A alegria, como olhos de mulher, é marcada por um risco de sombra: ninguém blefa no mais íntimo de si mesmo; lá, onde reside, sufocado, o nosso verdadeiro eu, aquele que sonhamos libertar um dia.

Sabemos que as crianças estão felizes com o novo tênis, com os jogos eletrônicos, com as bonecas que choram sem emoção e falam sem inteligência.

Quem é Jesus para esta geração que não freqüenta catecismo e cujos pais têm pudor de rezar com os filhos e dar-lhes as mãos nas veredas que conduzem ao transcendente?

Na falta de mística, muitos, durante a adolescência, procuram o êxtase por meio de doses químicas. Sem disso terem consciência, gostariam que, atrás da seringa, por dentro da drágea ingerida, entre a fumaça ou o pó que é aspirado, Deus irrompesse.

Neste Natal, alguns de nós vão ao culto e oram em família. Outros preferem a solidão de um mosteiro, a missa cantada em gregoriano, todos os presentes contidos num simples gesto de carinho.
Porém, o que fazer?

A televisão universaliza a publicidade, a publicidade impregna a mercadoria de fetiche, o fetiche traz a ilusão de que os presentes, uma vez desembrulhados, irradiam felicidade. Assim, deixamos nos escravizar pelas convenções, sem ao menos indagar o que elas significam e se nos convêm.

Dentro de alguns poucos dias, recarregaremos a despensa e a geladeira para o Réveillon e, de novo, os mesmos abraços e afagos -com a vantagem de não dar presentes.

Apenas desejar boa sorte. Talvez, no íntimo, o propósito de que "daqui pra frente, tudo vai ser diferente". Beber menos, balancear a comida, deixar o cigarro, dar mais tempo à família. Ou, quem sabe, ir um passo além do próprio umbigo: uma causa solidária, uma instituição de caridade, um projeto que minore a dor dos excluídos. Preocupar-se menos com o dinheiro e ocupar-se mais com os outros.

Propósitos de renascer. Para que outros tenham vida.

Então, sim, será Natal.

Nascimento. Como Jesus propôs a Nicodemos, sem que seja preciso retornar ao ventre materno. Deixar que o Espírito dispa-nos do homem e da mulher velhos para nos revestir do novo ser, aquele que tem seu protótipo e paradigma no Menino que dorme no presépio e, agora, desperta dentro de nós, faminto de Deus e de justiça.

Estatuto do Natal

Art. I: Que a estrela que guiou os Reis Magos para o caminho de Belém guie-nos também nos caminhos dificeis da vida.

Art. II: Que o Natal não seja somente um dia, mas 365 dias.

Art. III: que o Natal seja um nascer de esperança, de fé e de fraternidade.

Parágràfo único: Fica decretado que o Natal não é comercial, e sim espiritual.

Art. IV: Que os homens, ao falarem em crise, lembrem-se de uma manjedoura e uma estrela, que como bússola, apontem para o Norte da Salvação.

Art. V: Que no Natal os homens façam como as crianças: dêem-se as mãos e tentem promover a paz.

Art. VI: Que haja menos desânimos, desconfianças, desamores, tristezas. E mais confiança no Menino Jesus.

Parágrafo único: Fica decretado que o nascimento de Deus Menino é para todos: pobres e ricos, negros e brancos.

Art. VII: Que os homens não sigam a corrida consumista de "ter", mas voltem-se para o "ser", louvando o seu Criador.

Art. VIII: Que os canhões silenciem, que as bombas fiquem eternamente guardadas nos arsenais, que se ouça os anjos cantarem Glória a Deus no mais alto dos céus.

Parágrafo único: Fica decretado que o Menino de Belém deve ser reconhecido por todos os homens como Filho de Deus, irmão de todos!

Art. IX: Que o Natal não seja somente momento de festas, presentes.

Art. X: Que o Natal dê a todos um coração puro, livre, alegre, cheio de fé e de amor.

Art. XI: Que o Natal seja um corte no egoísmo. Que os homens de boa vontade comecem a compartilhar, cada um seu nível, em seu lugar, os bens e conquistas da civilização e cultura da humildade.

Art. XII: Que a manjedora seja a convergência de todas as coordenadas das idéias, das invenções, das ações e esperanças dos homens para a concretização da paz universal.

Parágrafo único: Fica decretado que todos devem poder dizer, ao se darem as mãos: FELIZ NATAL!

(Divulgado no Jornal de Novo Hamburgo de 08/12/2000)

10 dezembro 2006

Yemanjá

8 de dezembro é dia de Yemanjá.

Prece à Mãe Rainha do Mar

"Oh! Doce, meiga e Querida Rainha do Mar.
Vós que permitistes que no meio de Vossa morada se formassem as primitivas formas de Vida, que foram o braço de toda a criação, de toda natureza, e de toda humanidade, aceitai nossas preces de reconhecimento e amor. Oh! Visão Divina e Celestial.
Que os lampejos que emanam de Vosso diáfamo manto de estrelas venham, como benéficas vibrações espirituais, aliviar os nossos males, curar os doentes, apaziguar nossos irmãos irados, consolar os corações aflitos. Que as flores e oferendas que depositamos em vosso tapete sagrado, sejam por Vós aceitas e quando entrarmos nas águas para ofertá-las, sejam as ondas do mar portadoras de vossos fluidos Divinos. Fazei Senhora das águas, com que a espuma das ondas, em sua alvura imaculada, traga-nos a presença de Jesus e limpe os nossos corações de todas as maldades e malquerenças.
Que os nossos corpos, tocados por vossas águas sagradas, libertando-se em cada onda que passa, de todos os males materiais e espirituais.
Que a primeira a nos tocar afaste de nossas mentes todos os eventuais desejos de vingança.
Que a segunda lave nossos corações e nosso espírito para que não nos atinjam infâmias e malquerenças de nossos desafetos.
Que a terceira afaste a vaidade de nossos corações.
Que a quarta lave nosso corpo de todos os males e doenças físicas para que sadios possamos prosseguir.
Que a quinta afaste de nossa mente a ganância e a cobiça.
Que a sexta venha carregada de flores e que nosso maior desejo seja o de cultivar o amor fraternal que deve existir entre todos os homens.
E que ao passar a sétima onda, nós puros e limpos de mente, corpo e alma, possamos ver, ainda por alguns segundos o esplendor de vossa imagem.
É o que humildemente vos suplicamos, filhos de Jesus.
Assim seja, Amém."

A dona do mar

de Elcio de Oxalá

Que canto lindo que vem lá do mar
Parece que as ondas estão a cantar.
Iê Iemanjá, Rainha das ondas, a dona do mar.
Iê Iemanjá, Rainha das ondas, a dona do mar.


Agradecer e abraçar

de Vevé Calazans/Gerônimo

Abracei o mar na lua cheia abracei
Abracei o mar
Abracei o mar na lua cheia abracei
Abracei o mar
Escolhi melhor os pensamentos, pensei
Abracei o mar
É festa no céu, é lua cheia, sonhei
Abracei o mar
E na hora marcada "Dona Alvorada" chegou para se banhar
E nada pediu, cantou pro mar
(E nada pediu)
Conversou com o mar
(E nada pediu)
E o dia sorriu
Uma dúzia de rosas, cheiro de alfazema, presentes eu fui levar
E nada pedi
Entreguei ao mar
(E nada pedi)
Me molhei no mar
(E nada pedi)
Só agradeci
Abracei o mar na lua cheia abracei
Abracei o mar
Abracei o mar na lua cheia abracei
Abracei o mar

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Iansã

4 de dezembro é dia de Iansã.

Senhora das Tempestades

de Manuel Alegre
Poema declamado por Maria Bethânia, no CD Diamante Verdadeiro

Senhora das tempestades e dos mistérios originais
Quando tu chegas, a terra treme do lado esquerdo
Trazes a assombração
As conjunções fatais
E as vozes negras da noite
Senhora do meu espanto e do meu medo
Senhora das marés vivas e das praias batidas pelo vento
Senhora do vento norte com teu manto de sal e espuma
Há uma lua do avesso quando chegas
Há um poema escrito em página nenhuma
Quando caminhas sobre as águas
Senhora dos sete mares
Conjugação de fogo e luz
E no entanto eclipse
Trazes a linha magnética da minha vida
Senhora da minha morte
Quando tu chegas, começa a música
Senhora dos cabelos de alga
Onde se escondem as divindades
Trazes o mar, a chuva, as procelas
Batem as sílabas da noite
Batem os sons, os signos, os sinais
E és tu a voz que dita
Trazes a festa e a despedida
Senhora dos instantes com tua rosa dos ventos
E teu cruzeiro do sul
Senhora dos navegantes
Com teu astrolábvio e tua errância
Tudo em ti é partida
Tudo em ti é distância
Tudo em ti é retorno
Senhora do vento
Com teu cavalo cor de acaso
Teu chicote, tua ternura
Sobre a tristeza e a agonia
Galopas no meu sangue com teu cateter chamado Pégaso
Senhora dos teoremas e dos relâmpagos marinhos
Senhora das tempestades e dos líquidos caminhos
Quando tu chegas, dançam as divindades
E tudo é uma alquimia
Tudo em ti é milagre
Senhora da Energia.


Prece à Iansã

Iansã, Mãe e Senhora dos ventos e tempestades,
Das horas aflitas e das almas perdidas.
Dona de todas as direções
Operosa divinidade em prol dos desígnios
Dos filhos decaídos sem norte e vontade.
Piedade para nós, criaturas que vivemos,
Á beira das tentações, dos abismos,
Alheios ao amor do Pai Olorum.
Mãe, empresta-nos tua decisão e tua coragem.
Para o encontro do nosso próprio ser.
Dai-nos um roteiro de esperança e triunfo.
Erradicai a pobreza dos nossos sentimentos.
Orientai-nos para a VERDADE,
Dentro do caminho de devoção ao supremo Doador.
Encoraja-nos Senhora dos Raios,
Para que nossa própria mente,
Siga uma só direção:
Amar a Olorum


Guerreira

de Bete e Paulo Vitiello)

Eparrê, Saravá Iansã
Rainha do vento e da tempestade.
Rasgando as nuvens brilhou no céu
O raio que sua espada mandou
Veio pra acabar com as amarguras
Num relampeio Santa Bárbara chegou.
Guerreira fiel às leis de Oxalá
De Aruanda traz a Luz
A justiça há de brilhar.
A mata inundou com a tempestade
O rio transbordou, o vento soprou
No mar grandes ondas, poderosas,
Tome cuidado é o barravento vingador.
Levando para as corredeiras
Todo mal que aqui na Terra encontrou
Santa Bárbara estrela que ilumina
Nossas vindas com todo seu explendor.

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